terça-feira, 6 de março de 2007

Filhos do Além

Ela via espíritos. Devia ter uns 17 anos quando começou a ter contatos com eles.
A primeira vez foi um susto. Susto ao perceber que aquilo era um espírito e não uma pessoa. Pior ainda, quando viu que não sentira medo.
O tempo foi passando e ela se acostumando. Tentou de tudo, candomblé, umbanda, ileaxé, atotôbaluaiê. Nada resolveu. Aliás, nada fazia com que ela desenvolvesse, vamos dizer assim, esse dom mãe-alguma-coisa.

O tempo foi passando, vieram os filhos e com eles, uma curiosidade sem fim. O segundo, ou melhor, a segunda, cresceu seguindo os passos da tia que curtia Marilyn Manson, Sister’s of Mercy e Bauhaus. Loira, gótica, filha de uma mãe quase vidente, morria de medo dos amigos da mãe. O garoto mais velho, tão interessante quanto, resolveu dar o nome de Amigos do Além à sua banda de Heavy Metal. O que tudo isso tem a ver com heavy metal, não me perguntem.

Vira e mexe a mãe fala sozinha. São eles. Quando a filha vai ao banheiro de madrugada e ouve a mãe conversando, são eles.
No ensaio do mais velho, quando dá pau no amplificador da guitarra, são eles. Socorro...

Comentando com uma amiga evangélica, logo vi que seu maior desejo era levar minha irmã à Igreja para uma sessão de exorcismo. Caí fora rapidinho, afinal de contas, se minha irmã está com eles até hoje, por que vou me meter a besta e cair nessa de sai capeta?
“Mas como é mesmo esse lance de ver alguém?”.
“Ué, de repente eu vejo alguma coisa”.
“E aí? Já tentou contatos?”.
“Eu converso com eles”.
“E aí?”.
“Eles não falam nada”.
“Nada?”.
“Nada”.
“Sei... Você está vendo alguma coisa agora?”.
“Não”.
“Se você visse, você iria me dizer?”.
“Não”
“Gosto da sua sinceridade. E quando rola de você ver?”.
“Quando estou sozinha”.
“E você não se borra de medo?”.
“Já me acostumei”.
“Você pode me dizer se vou me casar com o Bono?”.
“Não”.
“Você pode me dizer se vou mesmo pra Guadalajara?”.
“Não!”.
“Tem alguém aí?”.
“Não”.
“Quem você já viu da nossa família?”.

Black out geral. A cidade ficou sem luz. Alguém a chamava. São eles, mãe, são eles! O ensaio parou e todos desceram. Menos ela, que subiu pro seu quarto pra continuar uma outra conversinha. Talvez uma explicação de alguma coisa com eles...

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